Em um breve espaço de tempo vivenciei duas experiências
semelhantes e que renovaram minha esperança no ser humano.
Algo que realmente marcou o final de ano na Fronteira foi a super tormenta: todos perguntam e
relatam sobre sua situação no momento do temporal. Eu estava na rua, havia
saído a pouco da aula da pós e confesso que foi altamente assustador. Fiquei
sob a proteção de uma área coberta que, inicialmente, parecia dar conta do
recado, mas que não ofereceu proteção por muito tempo tamanha a violência do
vento, chuva de granizo e perigosas tampas de caixa d’água voadoras. Quando a
situação ficou insustentável passa um ônibus e salta uma senhora com um enorme
guarda-chuva e diz: “vou te proteger”. E assim o fez, com aquele desmedido paraguas,
me mantendo a salvo, até quando foi possível sair dali. Eu estava utilizando de
todos os argumentos para me convencer a manter a calma, o que se tornava quase
insustentável ao ver o nível da água subindo sobre a calçada como uma forte
correnteza, rafting nunca foi meu dom natural e não estava disposta a me
aventurar nesse esporte sem equipamento adequado.. também havia uma confusão no
trânsito: motoristas insistindo em ir rápido demais, muitas buzinadas, muita
água jogada para a calçada.. E em meio ao caos alguém aparece disposto a
oferecer proteção, a compartilhar abrigo!
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Tempestade do dia 20/12 vai ficar na memória dos fronteiriços |
Sobre os temporais é necessário ressaltar o trabalho dos
motoristas de ônibus: os táxis sumiram, os telefones das centrais ocupados e
posso dizer que testemunhei um comovente e humanitário trabalho realizado pelos
funcionários da empresa São Jorge, mas ouvi relatos semelhantes de funcionários
de todas as linhas que operam na cidade. Eles foram incansáveis para encontrar
um caminho seguro para levar as pessoas para casa, ajudavam os idosos a subir e
descer do ônibus, se devido aos desvios impostos pelos obstáculos no caminho
passavam por uma mesma parada¹ duas vezes seguida abriam as portas para receber
mais passageiros apavorados. Foram extremamente gentis, notavelmente
cuidadosos, jamais arriscando passar por galhos, fios caídos na rua que
poderiam estar energizados, enfim, realizaram o melhor trabalho que poderiam e
isso fez toda diferença.
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Escadaria de Rivera |
No domingo, dia 28 de dezembro, houve festa e queima de
fogos na “escalera” de Rivera. Com meu
característico espírito felino soube da celebração e fui solita para a escadaria. Segui pela Av. Sarandy até o fim da Plaza
Artigas e dobrei a esquerda, para chegar ao local pelo caminho mais direto,
mas a passagem estava interrompida. Não tinha certeza se era seguro fazer a
volta, então tirei um livro da bolsa e comecei a ler sentada na calçada, enquanto
ouvia a banda que animava a festa. De repente uma senhora toca no meu ombro e
pede informações sobre o espetáculo pirotécnico, respondi com meu espanhol callejero e ela me perguntou se eu
estava sozinha e se eu queria ir com ela e sua netinha, a Juli, para assistir o
show de perto. Eu aceitei e já segui conversando com as duas como velhas
amigas, a senhora é ex-professora de francês e todos “los vecinos” a conhecem, fui muito bem recebida, sentei na grama
com as crianças enquanto os mais velhos dividiam espaço na já lotada escadaria.
Estavam distribuindo picolé de maçã verde e a gurizada fez questão de me
presentear com essa sobremesa inédita pra mim. Quando a banda disse que ia
encerrar com “Brasileirinho” me disseram: “Fer, para vos!” Ao iniciar a queima
de fogos estávamos perto demais e começou a cair pedaços de cartão sobre nós e
a senhora me estendeu a mão, me conduzindo para um lugar mais no alto, onde
estávamos a uma distância segura. Foram 5 minutos inebriantes, de tão próximo e
de tão intenso dava medo em alguns momentos, mas eu aproveitei o momento com a
tranquilidade de saber que não estava sozinha. Depois fomos até a fonte
luminosa e me despedi delas com abraços e ouvindo recomendações para zelar pela
minha segurança.
Eu acredito em Deus, eu acredito em anjos e acredito que
todas essas energias podem ser percebidas nos gestos de bondade daqueles que o
acaso, como assim chamamos, coloca gentilmente em nosso caminho.
Que em 2015 tenhamos a sorte de encontrarmos pessoas boas,
confiáveis e gentis para nos acompanhar em nossa trajetória, porque o mundo
está precisando de delicadeza!
Abraços,
Fernanda
¹ Parada é o jeito que chamamos os pontos de ônibus na Fronteira.
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