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sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

O acaso vai me proteger...

Em um breve espaço de tempo vivenciei duas experiências semelhantes e que renovaram minha esperança no ser humano.
Algo que realmente marcou o final de ano na Fronteira foi a super tormenta: todos perguntam e relatam sobre sua situação no momento do temporal. Eu estava na rua, havia saído a pouco da aula da pós e confesso que foi altamente assustador. Fiquei sob a proteção de uma área coberta que, inicialmente, parecia dar conta do recado, mas que não ofereceu proteção por muito tempo tamanha a violência do vento, chuva de granizo e perigosas tampas de caixa d’água voadoras. Quando a situação ficou insustentável passa um ônibus e salta uma senhora com um enorme guarda-chuva e diz: “vou te proteger”. E assim o fez, com aquele desmedido paraguas, me mantendo a salvo, até quando foi possível sair dali. Eu estava utilizando de todos os argumentos para me convencer a manter a calma, o que se tornava quase insustentável ao ver o nível da água subindo sobre a calçada como uma forte correnteza, rafting nunca foi meu dom natural e não estava disposta a me aventurar nesse esporte sem equipamento adequado.. também havia uma confusão no trânsito: motoristas insistindo em ir rápido demais, muitas buzinadas, muita água jogada para a calçada.. E em meio ao caos alguém aparece disposto a oferecer proteção, a compartilhar abrigo!

Tempestade do dia 20/12 vai ficar na memória dos fronteiriços

Sobre os temporais é necessário ressaltar o trabalho dos motoristas de ônibus: os táxis sumiram, os telefones das centrais ocupados e posso dizer que testemunhei um comovente e humanitário trabalho realizado pelos funcionários da empresa São Jorge, mas ouvi relatos semelhantes de funcionários de todas as linhas que operam na cidade. Eles foram incansáveis para encontrar um caminho seguro para levar as pessoas para casa, ajudavam os idosos a subir e descer do ônibus, se devido aos desvios impostos pelos obstáculos no caminho passavam por uma mesma parada¹ duas vezes seguida abriam as portas para receber mais passageiros apavorados. Foram extremamente gentis, notavelmente cuidadosos, jamais arriscando passar por galhos, fios caídos na rua que poderiam estar energizados, enfim, realizaram o melhor trabalho que poderiam e isso fez toda diferença.

Escadaria de Rivera

No domingo, dia 28 de dezembro, houve festa e queima de fogos na “escalera” de Rivera. Com meu característico espírito felino soube da celebração e fui solita para a escadaria. Segui pela Av. Sarandy até o fim da Plaza Artigas e dobrei a esquerda, para chegar ao local pelo caminho mais direto, mas a passagem estava interrompida. Não tinha certeza se era seguro fazer a volta, então tirei um livro da bolsa e comecei a ler sentada na calçada, enquanto ouvia a banda que animava a festa. De repente uma senhora toca no meu ombro e pede informações sobre o espetáculo pirotécnico, respondi com meu espanhol callejero e ela me perguntou se eu estava sozinha e se eu queria ir com ela e sua netinha, a Juli, para assistir o show de perto. Eu aceitei e já segui conversando com as duas como velhas amigas, a senhora é ex-professora de francês e todos “los vecinos” a conhecem, fui muito bem recebida, sentei na grama com as crianças enquanto os mais velhos dividiam espaço na já lotada escadaria. Estavam distribuindo picolé de maçã verde e a gurizada fez questão de me presentear com essa sobremesa inédita pra mim. Quando a banda disse que ia encerrar com “Brasileirinho” me disseram: “Fer, para vos!” Ao iniciar a queima de fogos estávamos perto demais e começou a cair pedaços de cartão sobre nós e a senhora me estendeu a mão, me conduzindo para um lugar mais no alto, onde estávamos a uma distância segura. Foram 5 minutos inebriantes, de tão próximo e de tão intenso dava medo em alguns momentos, mas eu aproveitei o momento com a tranquilidade de saber que não estava sozinha. Depois fomos até a fonte luminosa e me despedi delas com abraços e ouvindo recomendações para zelar pela minha segurança.
Eu acredito em Deus, eu acredito em anjos e acredito que todas essas energias podem ser percebidas nos gestos de bondade daqueles que o acaso, como assim chamamos, coloca gentilmente em nosso caminho.


Que em 2015 tenhamos a sorte de encontrarmos pessoas boas, confiáveis e gentis para nos acompanhar em nossa trajetória, porque o mundo está precisando de delicadeza!

Abraços,


Fernanda

¹ Parada é o jeito que chamamos os pontos de ônibus na Fronteira.

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