Existe um culto ao passado aguerrido do RS, digo aguerrido e não glorioso porque nem só de vitórias e glórias se forjou a estirpe gaúcha, mas de lutas contínuas e de batalhas em nome de um país que poucas vezes reconheceu a importância e o valor do povo gaúcho para a manutenção do seu território e soberania. Os gaúchos só eram lembrados quando precisavam de alguém para defender o Brasil, os sul-riograndenses estavam perto dos problemas (fronteiras e seus conflitos), mas longe das soluções (governo brasileiro) e isso parece persistir até hoje.
![]() |
A beleza da cultura gaúcha |
No entanto, algumas coisas mudaram. Embora haja um tremendo orgulho e reconhecimento por parte dos gaúchos de nossos heróis, nossa história, nossas tradições e cultura, ainda que com frequência sejam compartihadas fotos e frases em alusão ao decênio heróico, que se use bota, bombacha, vestido e faixa, que se ande a cavalo e se cante o campo, os sentimentos com violão e gaita, será que ainda temos o sangue farrapo em nossas veias? Será que Bento Gonçalves da Silva assistiria impassível, tal como nós, um Rio Grande do Sul sucateado, endividado, com uma economia pequena, altos impostos. Será que Antônio de Souza Neto ia se resignar a compartilhar um selfie com uma placa dizendo "não é só pelos 20 centavos" ou "queremos hospitais padrão FIFA"?
![]() |
Bento Golçalves se contentando em fazer um cartaz: não consigo imaginar! |
Me pergunto e repasso o questionmento para vocês: será que não estamos usando o chapéu alheio (talvez o chapéu de Onofre Pires ou David Canabarro), para coletar o brilho de uma estrela cadente para ofuscar um presente decadente?
Será que é suficiente encilhar o pingo no 20, sorver um amargo e dizer que ama o pago para prestar tributo a estes homens e mulheres valentes que entregaram seu prestígio, dinheiro e os melhores anos de suas vidas para lutarem como samurais, contra as metralhadoras do império ao qual serviram tanto?
![]() |
"Sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra!" Os radicais vão dizer que o RS é o único lugar em que até os mendigos fazem questão de dormir enrolados na bandeira. |
Se as coisas estão assim, e não fazemos nada, se a indignação vem com as notícias do Jornal Nacional, mas são esquecidas pela novela e todas as bobagens que se alternam uma após a outra religiosamente, se você se acostumou com o inaceitável, será que você foi forjado ainda naqueles moldes de Flores da Cunha e Honório Lemes, homens honrados e leais até com os inimigos?
Será que eu tenho algo da fibra de meus heróis quando vivo num lugar em que medíocres se espalham feito erva daninha, onde a malandragem é virtude e não sou forte o suficiente para mudar isso?
Garibaldi disse dos gaúchos de outros tempos:
"Quantas vezes fui tentado a patentear ao mundo os feitos assombrosos que vi realizar por essa viril e destemida gente, que sustentou por mais de nove anos contra um poderoso império a mais encarniçada e gloriosa luta!"
Leia a carta na íntegra, e reflita: somos ainda aquele povo do qual Garibaldi falou? Ou somos como os atuais membros da Família Real Inglesa: herdamos o título de gaúchos, mas são outros o que governam nossa terra, enquanto o que resta é exigir respeito evocando os velhos e áureos tempos?
Precisamos tomar muito cuidado, será que estamos como o gaúcho da charge: cheio de orgulho, mas com os golpes que levamos diariamente remendados com retalhos de algum feito histórico.
![]() |
Na frente: a estampa de um gaúcho, no reflexo: também! |
Um abraço da gaúcha orgulhosa, mas realista,
Fernanda
Nenhum comentário:
Postar um comentário